Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

quinta-feira, setembro 29, 2011

BAIXADA CULTURAL

MARTA ROSSI – A MINEIRINHA
QUE DESCOBRIU DUQUE DE CAXIAS
Ouvida pela comissão de jornalistas e pesquisadores que participam do projeto “Tarde com História”, promovido pelo Instituto Histórico Câmara de Vereadores de Duque de Caxias, a professora aposentada e agora artista plástica Martha Rossi prestou um emocionado depoi
mento que fará parte dos arquivos do instituto, para posterior aproveitamento por pesquisadores da História de Duque de Caxias.
Marta Rossi nasceu, na verdade, em Niterói, de onde sua família se mudou para Ponte Nova, em Minas Gerais, quando ela estava com seis meses de nascida. Por isso, é conhecida entre os amigos como a mineirinha de Ponte Nova. Lá ela estudou desde as primeiras letras num colégio mantido por freiras, onde se formou professora aos l7 anos. Logo depois se casou e foi com o marido morar, primeiro, em Belo Horizonte, daí vindo para o Rio de Janeiro. Um tio dela tinha um sítio em Parada Angélica, onde ela conheceu uma professora, que apesar de não ser formalmente uma professora, mantinha uma escola rústica em sua casa. Martha Rossi se encantou com o empenho e a dedicação da professora e resolveu procurar o prefeito de Duque de Caxias, onde consegui o emprego pretendido. Era 1949 e o prefeito era Adolfo David. Ela foi trabalhar na Escola Municipal Gastão Reis, na Rua Petrópolis, bairro Corte Oito. Algum tempo depois, ela passou a trabalhar numa
escola que funcionava junto à Igreja Adventista, na Av. Duque de Caxias, no bairro Itatiaia. Ali ficou sabendo da existência da Escola Regional de Meriti, mais conhecida como “Mate com Angu”, que adotara o Método Montessori de ensino e foi a pioneira no antigo Estado do Rio a implantar o regime de horário integral e o fornecimento da merenda. Num dia inspirado, ela foi visitar a escola, onde conversou com a fundadora da instituição, a professora Armanda Álvaro Alberto, que a convidou para se juntar ao grupo que atendia a cerda de 200 alunos.
Em pouc
o tempo Martha Rossi se tornou uma peça fundamental na condução da “Regional”, fundada em 1921 como Escola Proletária de Meriti, que acaba de comemorar seus 90 anos de existência. Martha fala com entusiasmo do trabalho que realizou na “Regional de Meriti”, entre os quais a busca por parceiros para garantir a sopa que era servida aos alunos acompanhada por um copo de mate. De caderninho na mão, ela procurava os comerciantes do centro de Caxias em busca de doação, em especial, os mercadinhos, as quitandas e os açougues. Sempre cativante e espontânea, ela conseguia o compromisso da doação semanal de gêneros de primeira necessidade para a elaboração da sopa. Outro programa da “Regional” de grande sucesso era o concurso de “Janelas Floridas”, que visava orientar as mães dos alunos para a importância do cultivo das flores para enfeitar suas casas e, também, a limpeza dos quintais para a impedir a proliferação de animais que pudessem transmitir doenças, como ratos e morcegos. Numa época em que o termo ecologia ainda era desconhecido, a “Regional” já se preocupava em usar a educação como ferramenta importante para a preservação do meio ambiente. E para ajudar a educação, havia o Clube de Mães, que se reunia para ouvir palestras sobre os cuidados com a higiene pessoal e de suas residências, como forma de evitar doenças. E ainda aproveitava esses encontros para ensinar atividades comuns, como bordar, costurar e consertar roupas, experimentar receitas e descobrir a importância de usar os produtos da região, inclusive noções de como manter uma pequena horta no fundo de suas casas, que poderiam fornecer verduras fresquinhas a qualquer hora do dia.
Martha Rossi também não se esqueceu do papel importante de alguns colaboradores, como o professor José Montes, que montou uma marcenaria dentro da escola, onde ensinava como transformar um pedaço de maneira num utensílio, brinquedo ou te mesmo numa obra de arte, como era o caso das gravuras em relevo sobre madeira. Lembrou também do professor e artista plástico Barboza Lei (foto ao lado), que criou uma escol
inha de artes, que reunia os alunos da “Regional” para descobrirem, juntos, os segredos da paixão que sempre uniu pincéis, tintas e telas através dos Séculos. Outra iniciativa importante da “Regional” foi criar e manter ativa uma biblioteca, batizada de Euclides da Cunha, que, aos sábados, recebia dezenas de estudantes que lá iam buscar gratuitamente livros emprestados, que eram religiosamente devolvidos, ou realizar pesquisas, uma das principais ferramentas dos alunos da “Regional”. em busca de conhecimento, numa época em que não havia internet, muito menos rádio e televisão. Aliás, o primeiro e único projetor em oito milímetros, que exibia filmes educativos e comédias de um cinema ainda iniciante, foi uma doação do médico Edgar Roquete Pinto (1884-1954), fundador da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, atual Rádio MEC, a primeira emissora do Brasil, fato ocorrido em 1923. Naqueles tempos, para ser um ouvinte era preciso cadastrar-se junto à emissora, adquirindo um equipamento para ouvir a programação em casa
Como uma escola revolucionária, a “Regional” provocou natural resistências dos donos de escolas particulares e dos pequenos empresários da antiga Vila Meriti. Por conta disso, disseminou-se pela região o apelido pejorativo de “Mate com Angu”, que acabou se tornando uma marca registrada da escola, cujos alunos eram sempre os mais bem colocados nos concursos realizados em escolas do Rio de Janeiro para o ingresso no então Curso Ginasial, hoje absorvido pelo Ensino Fundamental.
Preocupada com a qualidade do aprendizado dos alunos, a professora Armanda Álvaro Alberto reuniu um grupo de ex-alunas do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, as primeiras professoras do ensino primário com cursos específicos para a Educação das crianças, encarregadas de avaliar as provas aplicadas pelas professoras da “Regional”. Além de uma deferência às novas professoras, esse processo mostrou-se uma formidável arma de propaganda da eficiência do Método Montessori, adotado pela “Regional”. mas recusados por outras instituições de ensino, que o consideravam muito perigoso do ponto de vista da política vigente no País. Por conta dessas e de outras “novidades”, Da. Armanda Álvaro Alberto acabou na cadeia, de onde enviava cartas aos seus alunos, sempre incentivando que eles se dedicassem aos estudos, se pretendiam um futuro melhor. Já na segunda década do Século XX, uma jovem nascida e criada no aristocrático bairro de Laranjeiras, que trocara a possibilidade de conseguir, pelo casamento, uma grande relevância na sociedade carioca, por implantar uma escola numa vila distante da civilização (o trem só chegou à Baixada em 1913), cujos habitantes andavam descalços, moravam em casas de pau-a-pique (taipa), criavam porcos e galinhas no fundo do quintal de suas casas, bebiam água de poço, eram vítimas da Malária e não sabiam ler ou escrever. A Escola Proletária de Meriti começou a funcionar embaixo das mangueiras que ocupavam um terreno próximo da estação ferroviário, que acabou sendo doado à “Regional” pelo médico e militante político Romeiro Jr., também perseguido por ser muito avançado em matéria de ideologia política, pois insistia em pesquisar ao invés de aceitar, como fato consumado, as idéias defendidas pela maioria dos políticos da época, numa República instaurada por um Monarquista menos de Meio Século antes da fundação da Escola Proletária de Meriti, a nossa “Mate com Angu, orgulho, até hoje, de alunos, ex-alunos e professores.
Armanda Álvaro Alberto aproveitava o círculo de amizades de seus pais para buscar ajuda para a “Regional”, acabou conhecendo um jovem arquiteto, que projetou a primeira sede da escola, em alvenaria (antes, as aulas eram embaixo das mangueiras). Esse jovem arquiteto acabou consagrado mundialmente ao ganhar o concurso para fazer o projeto da nova capital. Era um ainda desconhecido Lúcio Costa. Entre dezenas de personalidades que, ao longo do tempo, ajudaram a manter vivo o sonho de Armanda Álvaro Alberto, encontramos nomes como os do médico Roquette Pinto, do escritor e crítico literário Tristão de Ataíde (ou Alceu Amoroso Lima), do professor Edgar Sussekind de Mendonça (marido e parceiro de idéias de Da. Armanda), do educador Francisco Lourenço Filho, do sanitarista Belisário Pena, assistente de Oswaldo Cruz, do advogado Albino Vaz Teixeira, do líder sindical Custódio Aquino, do artista plástico e professor Francisco Barboza Leite e do professor e pensador Anísio Teixeira,
Foi nas teorias de Anísio Teixeira sobre educação integral do jovem que a professora Armanda Álvaro Alberto buscou inspiração para implantar a sua Escola Regional de Meriti. E a experiência aqui vivida pelo grupo de colaboradores da Escola foi tão importante, que, já em 1927, a instituição ganhava um voto de aplausos da I Conferência Nacional de Educação, realizada no Paraná. Baiano de Caetité, Anísio Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900. Desde jovem, dedicara-se ao setor educacional, onde inspirou ou marcou com sua influência todas as reformas do ensino brasileiro desde a década de 20. Suas idéias muito influenciaram não só a educação brasileira, como o sistema educacional da América Latina Completou o curso secundário no Colégio dos Jesuítas, em Salvador, e o de Direito no Rio de Janeiro; graduando-se em Ciências de Educação pela Universidade de Colúmbia nos EUA. Era o secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal, em 1935, quando por iniciativa sua foi instituída a Universidade do Distrito Federal, historicamente a origem da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Um dos criadores da Universidade de Brasília e seu primeiro reitor, o professor Anísio Teixeira era membro do Conselho Federal de Educação quando apareceu morto, em circunstâncias misteriosas e até hoje não esclarecidas, no poço de um elevador, na Praia de Botafogo, em março de 1971.
Agora, com o depoimento da professora Marta Rossi, a Escola Regional de Meriti passa a fazer parte, oficialmente, da História de Duque de Caxias.
Os professores Edgar Sussekind de Mendonça e Anísio Teixeira (de pé) Martha Rossi, sua filha Silvana Rossi e Armanda Álvaro Alberto (sentadas) em flagrante feito durante uma sessão especial num dos cinemas do Rio de Janeiro