Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

sexta-feira, maio 06, 2011

O TEATRO DA BAIXADA ESTÁ DE LUTO

O TEATRO DE CAXIAS PERDEU
UM DE SEUS MAIORES ASTROS

Morreu Edgar de Souza. Como muitos outros artistas que já brilharam nos palcos do Brasil, ele morreu pobre, esquecido, numa modesta casa no Jardim América, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Seu corpo, miúdo e arqueado, não só pela idade, mas também pela implacável doença que o perseguia, baixou a uma modesta sepultura do Cemitério de Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro,
Ao lado de nomes como Armando Melo, Antonio Pacot, Rodolf Arldt, o Rodofinho, Élson Giupponi, Ratinho (da dupla com Jararaca), Roberto Moreira - o inesquecível “Roberto Cavalo - Edgar de Souza, ao longo de décadas, conseguiu levar o Teatro às escolas e às praças, com espetáculos que mostravam a riqueza dos nossos teatrólogos. Sua paixão por Duque de Caxias foi avassaladora, como a de um adolescente e a sua primeira namorada. Nos anos 60 e contratado pelo Governo do antigo Estado do Rio, Edgar de Souza veio fazer algumas apresentações no acanhado auditório do Instituto de Educação Governador Roberto Silveira, dando o pontapé inicial de um projeto da então Secretaria de Educação e Cultura - que deveriam andar juntas como irmãs siamesas. Edgar, ao contrário de outras badaladas estrelas que faziam show em circos e cinemas da cidade, resolveu conhecer melhor Duque de Caxias, uma cidade que acabara de completar a sua maioridade política. Para isso, nada melhor que procurar os veículos de comunicação que deveriam conhecer o "caminho das pedras".
Assim deu-se o encontro do ator com os jornalistas Euricles de Aragão, dono de “O Municipal”, e Ruyter Poubel, da “Folha da Cidade”, que ajudaram na divulgação do espetáculo de estréia do projeto do governo: o clássico monólogo “As Mãos de Eurídice”, de Pedro Bloch. A amizade entre o ator e os dois jornalistas rendeu muitos frutos, pois Edgar se adotou como caxiense, passou a participar de diversos movimentos no campo cultural, inclusive na fundação da Academia Duquecaxiense de Letras [e da qual nunca fez parte como 'imortal", embora tivesse participaçaç atina nas reuniões na redação de "O Municipal"], movimento que tinha na liderança Euricles de Aragão e o também jornalista e teatrólogo mineiro de Juiz de Fora, Lais Costa Velho.
Foi por conta de
ssas andanças e amizades que Edgar de Souza acabou preso pela polícia (na foto, ao centro, seguido por Antonio Pacot, à sua esquerda), pois seria a estrela de um espetáculo de humor, mas com um título enigmático: "Festival de Defuntos". O texto era de Laís e ele convidou o amigo e parceiro Antonio Pacot para dirigi-lo. Irreverente e publicitário de mão cheia, que trabalhou nas maiores agências de publicidade do Rio e de Nova York, Pacot produziu um cartaz que anunciava “FESTIVAL DE DEFUNTOS” em Caxias. Estávamos em plena ditadura e Laís se negou a submeter seu texto à censura, pois pretendia chamar a atenção pelo inusitado título da peça, do tipo teatro ligeiro. O palco reservado para a estréia do espetáculo, que depois deveria fazer carreira em outros teatros do Rio de Janeiro, foi o Teatro do Sesi de Caxias.
Poucos instantes antes da abertura das cortinas, um grupo de policias, fardados, chegou ao Teatro do Sesi com a ordem de prender autor, ator e diretor. E Edgar, junto com Antonio Pacot, foi parar no xadrez, onde permaneceu por algumas horas como “hóspede” do delegado Amyl Ney Richaid, que se tornou famoso ao prender “Tião Medonho”, um tranqüilo e pacato cidadão que, por conta do assalto ao trem da Central do Brasil, acabou nas manchetes dos jornais, uma história real que rendeu filme e transformou o delegado em celebridade.
Além de continuar atuando nos palcos pelo interior do País, Edgar de Souza assumiu uma nova paixão: as Folias de Reis. A festa folclórica trazida pelos portugueses para o Brasil e que, em plena era da informática, do cinema 3D e da TV digital, atrais milhares de pessoas todos os anos para as suas “Jornadas”, que começam na noite do dia 24 de dezembro e seguem até o dia 6 de janeiro. Com origem entre os árabes, que levaram essa idéia de festejar o Natal em forma de teatro para Portugal, as “Folias de Reis”, tentam refazer, pelas ruas das cidades de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, a caminhada dos tres Reis Magos em direção a Belém, para reverenciarem o Menino Jesus, a prometido Messias anunciado pelos profetas da época.
Para não deixar desaparecer as “Folias de Reis”, tradição que passa de pai para filhos e netos, algumas com mais de 150 anos de peregrinação, Edgar de Souza criou a Federação de Reisados do Rio de Janeiro, para tentar dar suporte às “Folias” e patrocínio para ajudar os ”reiseiros” a comprar e consertar instrumentos e fantasias, pois a “Festa do Arremate”, no dia 20 de Janeiro, data consagrada a São Sebastião, que reunia diversas “Bandeiras” – denominação oficias das Folias – no encerramento de mais uma Jornada, isto é, uma caminhada pregando o Evangelho e saudando a chegada do Ano Novo. A Federação de Reisado do Estado do Rio de Janeiro, com sede em Duque de Caxias, foi criada em 1974 e chegou a catalogar mais de 500 grupos em todo o Estado. E Edgar de Souza, com muito suor, conseguiu mantê-la em funcionamento até recentemente, quando teve de se afastar de suas atividades pelo agravamento da sua doença.
Além da tristeza pela partida de Edgar de Souza, um fato inevitável, temos a deplorar a chamada Política Cultura do País, que desperdiça milhões em projetos de eficiência duvidosa, enquanto deixa na vala comum do esquecimento aqueles que, não tendo nascido em berço esplendido, nem se apropriado dos dinheiros públicos ao longo da vida, chegam à velhice e não podem subir nos palanques, ou chegam ao fim da vida sempre com muita dignidade, quando são abandonados, mesmo que tenham projetos produtivos capazes de mobilizar a opinião publica para discutir os graves problemas do País, inclusive na Cultura.
Infelizmente, esse é o País que iremos deixar para nossos netos!