Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

quinta-feira, setembro 15, 2011

TARDE COM HISTÓRIA

GETÚLIO GARANTE: HIDEKEL
NÃO CONFIAVA EM LACERDA

Segundo entrevistado do projeto “Tarde com História”, do Instituto Histórico da Câmara, o empresário Getúlio Gonçalves, presidente da Associação Comercial e Industrial do município há 32 anos, prestou depoimento na segunda-feira (12), quando falou sobre o quebra-quebra de 5 de julho de 1962, que deixou uma dezena de mortos, muitos feridos e arrasou o comércio de gêneros alimentícios de Duque de Caxias.
O depoimento foi prestado diante de uma banca presidida pelo vereador Mazinho, presidente do Legislativo municipal e autor da ideia do “Tarde com História”. A banca era integrada por jornalistas, historiadores e pesquisadores do município. O tema central do seu depoimento foi o quebra-quebra, que Getúlio garantiu que começou com um protesto organizado por dirigentes sindicais no então Estado da Guanabara como forma de hostilizar o então governador Carlos Lacerda, udenista e ferrenho adversário de Jango e do PTB. Como o governador tinha o apoio dos líderes da Marinha e da Aeronáutica, Lacerda colocou a Polícia nas ruas e os organizadores do protesto resolveram partir para a Baixada, que pertencia ao antigo Estado do Rio.

A MORTE DE IMPARATO

Getúlio também falou da tentativa de assassinato do então deputado Tenório
Cavalcante, durante um baile na Associação Comercial no dia 25 de Agosto de 1953, envolvendo o alcagüete conhecido como Bereco, homem de confiança do delegado de polícia Albino Imparato. O incidente ocorreu devido á intenção de Bereco, cumprindo ordens do delegado, de entrar na Associação Comercial para revistar os presentes, em busca de armas. No momento, era realizado um baile em comemoração ao “Dia do Soldado”. No incidente do baile, Getúlio Gonçalves fora um dos participantes que impedira a entrada de “Bereco” e assistiu a troca de tiros que se seguiu, envolvendo também o deputado federal Peixoto Filho, que estava (armado) na festa e resolvera defender Tenório. No na noite do dia 28, Bereco e o delegado foram mortos na porta de um dos hotéis do centro da cidade, local de encontros amorosos. Tenório Cavalcante acabou sendo apontado pela Polícia como mandante do duplo homicídio, tendo como ponto de partida o incidente do dia 25, bem como uma visita de Tenório Cavalcante ao gabinete do delegado poucos dias depois da sua posse, onde Imparato arrancara com um tapa o inseparável chapéu que o “Homem da Capa Preta” sempre usou, sob a justificativa de que, pe
rante uma autoridade (Imparato), Tenório não podia usar cobertura (chapéu).
O delegado Albino Imparato, de uma tradicional família paulista que decidira ser policial no antigo Estado do Rio, fora designado pelo então Secretário de Segurança Pública do antigo Estado do Rio, coronel Barcelos Feio – homem de confiança do governador Ernane do Amaral Peixoto – para comandar a Delegacia de Polícia de Duque de Caxias (um pardieiro no Nº 311 da Avenida Plínio Casado), que ficava a menos de 100 metros da “Fortaleza”, nome pelo qual era conhecida a residência de Tenório Cavalcante.
A principal missão de Imparato era investigar a vida pregressa do “Homem da Capa Preta”. Por esse motivo e tendo por linha de investigação o incidente na porta da Associação Comercial do município, Tenório passou a ser apontado como mandante do duplo homicídio pelo Delegado Wilson Fredericci, encarregado das investigações, enquanto a autoria material era atribuída a um primo do deputado, Pedro Tenório. Por conta dessa investigação, Wilson Fredericci organizou uma operação para invadir a “Fortaleza”, reunindo policiais civis e militares do antigo Estado do Rio. A invasão só não ocorreu por interferência de senadores e deputados, amigos de Tenório, que resolveram acampar na “Fortaleza”, pois Tenório anunciara que iría resistir ao cerco policial e dali só sairia morto. Temendo uma carnificina, o Governo do Estado suspendeu o cerco.

O QUEBRA-QUEBRA EM CAXIAS

Em seu longo depoimento (cerca de duas horas) Getúlio Gonçalves revelou que o quebra-quebra ocorreu no dia 5 de julho de 1962, em decorrência de uma greve geral decretada pelos sindicatos ligados ao Governo João Goulart, como forma de protesto pelo Congresso Nacional haver negado o voto de confiança para que San Thiago Dantas fosse nomeado Primeiro Ministro do jovem parlamentarismo brasileiro, implantado pelo Congresso em 1961 diante da pressão dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, que não aceitavam dar posse ao vice João Goulart depois da renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. O Parlamento preferiu o senador Auro Moura Andrade, senador do PSD-SP e um dos mais fortes criadores de gado do País na época.
A greve coincidiu com uma longa crise no abastecimento de gêneros de primeira necessidade, onde o Governo, através da COFAP – Comissão Federal de Abastecimento e Preços – pressionava os varejistas a cumprirem uma irreal tabela de preços para arroz, feijão e açúcar, ao mesmo tempo em que permitia que os atacadistas, concentrados na Rua do Acre, no Centro do Rio, cobrassem um “pedágio” para fornecer esses produtos. Com isso, floresceu um mercado negro, o que acabou servindo de estopim para a revolta da multidão reunida entre a rodoviária da Praça do Pacificador e a estação ferroviária. De repente, alguém gritou: nas “Casas da Banha” (uma das grandes redes de supermercado da época) tem muito feijão e arroz! Bastou arrombar a primeira porta de aço que a multidão se encarregou do saque. Em poucos minutos, grupos partiam para outras mercearias, padarias e quitandas, inclusive nos bairros, que eram arrombadas e saqueadas.
Um grupo de empresários procurou o comando da Imprensa Naval, em Lucas, pedindo ajuda dos Fuzileiros Navais para conter a massa que corria pelas ruas, destruindo tudo. O oficial de dia entrou em contanto com seu superior e recebeu a ordem: nenhum militar interviria na rebelião, pois a situação estava sob controle do governo. Só no final da tarde o Governo se rendeu à realidade e mandou as primeiras tropas do Exército (Vila Militar) para restabelecer a ordem, mas não havia mais mercadinhos ou quitandas na cidade.

A TURMA DO ESCULACHO

Respondendo a uma pergunta da colunista social e advogada Dina Guerra, Getúlio Gonçalves falou com uma ponta de saudade da “Turma do Esculacho”, da qual foi um dos lidere, negando que o grupo promovesse baderna na cidade, como chegou a ser noticiado por um jornal carioca nos anos 60. Getúlio explicou que um grupo de jovens, sem preconceitos, formado por bancários, filhos de pequenos empresários, que também pratica esporte, inclusive tiro ao alvo, costumava se encontrar para a ir a festas das quais não tinham sido convidados. Era uma forma de se divertir inspirada pelo filme “Juventude Transviada”. O grupo era solidário e, se um fosse convidado para uma festa, todos tinha direito de entrar, o que, geralmente, provocava escaramuça entre os jovens e os donos da casa. Segundo Getúlio Gonçalves, os principais integrantes da “Turma” eram Hidekel Freitas Lima e seus irmãos, além dos irmãos Newley e Juarez Lopes Martins.

O PREFEITO HIDELEL FREITAS

Getúlio Gonçalves, casado com uma sobrinha de Tenório Cavalcante, também falou sobre o ex-prefeito e ex-senador Hidekel Freitas, hoje divorciado de Sandra Cavalcante, filha do “Homem da Capa Preta”; E Getúlio revelou como certeza uma suspeita de muita gente: Hidekel não acreditava que seu vice, o ex-deputado José Carlos Lacerda, tivesse condições de governar Duque de Caxias.
Só por essa desconfiança Hidekel Freitas desistira, por duas vezes, de renunciar ao cargo de prefeito, ocupado pela segunda vez, da cidade onde nascera. Na primeira vez, ele assumira a Prefeitura como último prefeito nomeado pelo Governo Federal (João Baptista Figueiredo) por conta da Lei de Segurança Nacional, que listara um grupo de cidades que, com instalações muito sensíveis, podiam ser alvo de ataque dos “comunistas”, no caso, a Refinaria Duque de Caxias. Na época, Hidekel Freitas era deputado federal pela Arena e fora indicado pelo Ministro dos Transportes, Mário Andreazza, para ocupar a Prefeitura, como prefeito nomeado em substituição ao coronel e professor Américo de Barros. Para ser prefeito, Hidekel renunciou ao mandato, mas com o compromisso de Figueiredo e Andreazza de que Duque de Caxias retomaria a sua autonomia administrativa, o que ocorreu em 1985, quando foi eleito prefeito da cidade o professor Juberlan de Oliveira.

AS DUAS RENÚNCIAS

Por duas vezes, Hidekel Freitas ameaçara renunciar ao cargo de prefeito, passando o posto para o seu vice, o ex-deputado José Carlos Lacerda. Na primeira vez, ele ficara empolgado com o convite do Presidente Fernando Collor, a quem apoiara, para disputar em 1990 a eleição para governador. Hidekel estava bem nas pesquisas como prefeito da segunda cidade mais importante do Estado e com chances de vencer, principalmente como candidato do PRN – partido de Collor.
Para isso, ele precisava renunciar ao mandato e se inscrever no novo partido. A troca de partido não era problema para Hidekel, o problema era abrir mão do mandato de prefeito em favor do seu vice. Embora as relações pessoais e políticas fossem excelentes, o prefeito não estava convencido da capacidade, política e administrativa, de Lacerda fazer uma boa administração. Por isso, na undécima hora para renunciar ao cargo e chamou fez uma carta de renúncia, que entregou ao líder do Governo na Câmara, o vereador Vadico, e partiu para o Rio, onde seria recebido com festa na sede do PRN, mas no meio do caminho, desistiu da candidatura, pois teria de enfrentar nada menos que Leonel Brizola.
O ex-prefeito nunca explicou a razão da sua desistência do projeto de ser governador do Estado do Rio, muito menos seu vice, José Carlos Lacerda, que levou para o túmulo essa revelação.
Logo depois, veio a morte do senador Afonso Arinos de Melo Franco, um político mineiro de prestígio internacional de quem Hidekel Freitas era o primeiro suplente, com a segunda suplência cabendo ao ex-prefeito de Campos dos Goytacases, Rockfeller de Lima. Diante do fato, o prefeito caxiense tinha 30 dias para tomar posse do mandato de senador, sob pena de ser convocado o segundo suplente. Hidekel, para ganhar tempo e pensar melhor sobre o que fazer, resolveu consultar a Diretoria do Senado com uma pergunta simples: ele, como prefeito, poderia ir a Brasília, assumir o novo mandato e, já senador, voltar a Duque de Caxias para renunciar ao cargo de prefeito? A resposta foi NÃO!
Segundo a direção do Senado, Hidekel deveria encaminhar uma carta à Câmara Municipal, renunciando ao cargo. A carta seria lida na primeira sessão do Legislativo, onde seria aprovada uma Resolução aceitando a renúncia e convocando o vice-prefeito para assumir o cargo declarado vago pela mesma resolução.
A partir dessa orientação, começou a aflição de Hidekel, temeroso de não conseguir, como mais um Senador, o mesmo prestígio que desfrutava como prefeito da segunda cidade do Estado do Rio, do ponto de vista político e econômico. A incomodá-lo havia também uma dúvida: Lacerda seria um fracasso como administrador, o que afetaria o prestígio político de HF, ou seria um prefeito tão arrojado que chegasse a ofuscar o prestígio de HF?
Getúlio Gonçalves garante que foi uma das últimas pessoas a conversar com o indeciso prefeito, convencendo-o, finalmente, de que deveria voar para Brasília e assumir o novo mandato, pois a Prefeitura ficaria em boas mãos.

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