Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

sexta-feira, março 17, 2006

DO Nº 311 À DELEGACIA LEGAL, VIOLÊNCIA E IMPUNIDADE (Coluna 160)

► Editado no início dos anos 40, em pleno Estado Novo, o Código Penal tinha, entre seus objetivos não confessados, punir rigorosamente três tipos de criminosos: pretos, pobres e prostitutas. No Estado do Rio, sob o comando do Interventor, o Comandante. Ernani do Amaral Peixoto, genro de Vargas (nepotismo descarado e deslavado), as Subdelegacias de Policia eram cargos muito disputados, embora não fossem remunerados. Através deles, os políticos ligados ao Governo colocavam nos "seus devidos lugares" os cabos eleitorais dos adversários.
Em Duque de Caxias, Distrito emancipado de Nova Iguaçu, a Sub-delegacia foi erigida à condição de Delegacia, com direito a delegado e meia dúzias de soldados da Polícia Militar, os conhecidos "meganhas". Localizada no nº 311 da Avenida Plínio Casado, em frente à Estação ferroviária, a Delegacia era abastecida com a água de um poço, que o ex-repórter de polícia, colunista social e delegado Silbert dos Santos Lemos, já falecido, no livro "Sangue no 311", denunciou que ali era um "sumidouro" onde eram jogados os presos com diversas passagens pelos xadrezes infectos da tal Delegacia, isto é, os Delegados consideravam esses presos como "irrecuperáveis". Santos Lemos confessou, inclusive, que dera o tiro de misericórdia num marginal, que estivera preso na 59ª DP, execução comandada pelo delegado Amyl Rechaid e realizada na subida da estrada para Petrópolis.

Ocorre que a mobilidade social criou nova categoria social, a dos novos ricos, aqueles que, por um golpe de sorte, por competência ou esperteza, conseguiam ganhar dinheiro e, com ele, buscavam projeção social. Desse grupo participavam os "banqueiros do bicho", os donos de hotéis que exploravam o lenocínio, os donos de fábricas de bebidas que sonegavam e fraudavam o Imposto de Consumo, os donos de mercadinhos que vendiam feijão, arroz e açúcar no chamado "câmbio negro", os pecuaristas que adicionavam água ao leite e os donos de lotação, entre outras categorias menos importantes.

A partir da construção de Brasília, com o golpe do "caminhão no cavalete", um engenhoso truque para fraudar a fatura sobre transporte e que foi revelado pela minissérie "JK", os novos ricos começaram a diversificar as suas atividades "empresariais" como contrabando, tráfico de armas, de drogas e de influência e, mais recentemente, fraudes contra a Previdência Social e o SUS. Como era de se esperar, a taxa de descaramento nacional aumentou mais do que a inflação e os "novos ricos" passaram a debochar dos "manés", pessoas comuns como a imensa maioria do povo brasileiro que insiste em registrar suas empresas sem apelar para os famosos "laranjas", assinar as carteiras dos seus empregados, recolher as contribuições ao INSS, PIS/PASEP, pagar o Imposto de Renda devido, entre outras obrigações do Cidadão de Bem!

A concorrência predatória dos "piratas" e "laranjas" acabaram levando alguns setores do empresariado e da sociedade civil a denunciarem os golpes contra o Patrimônio Público e, a partir de 88, com os novos poderes, o Ministério Público passou a investigar e abrir inquéritos sempre que alguma falcatrua era denunciada. Com isso, os homens de colarinhos impecavelmente brancos passaram a ser presos e, depois de algemados, jogados em camburões, como ocorreu com o deputado Jader Barbalho e com o ex-deputado Sérgio Naya. Nesse meio tempo, a Juíza Denise Frossard, com apoio do Ministério Público, rasgou o véu de proteção dos banqueiros do "jogo do bicho" e, com isso, foram parar na cadeia figuras até então consideradas intocáveis, como Castor de Andrade, Carlinhos Maracanã e outros integrantes da máfia do jogo do bicho.

Rapidamente, nossos congressistas articularam janelas para impedir que as cadeias fossem dominadas pela "nova classe". A primeira foi criar a figura da prisão especial para quem tenha diploma universitário. Com a proliferação das Faculdades de fins de semana, não foi difícil para muitos marginais conseguirem o "canudo". Também foi criada a figura do cidadão com endereço conhecido, atividade econômica permanente para que tivesse direito a responder a processo em liberdade até condenação final. Mais uma vez a população que mora no "porão da sociedade" ficou de fora desses privilégios! Uma mulher que more numa favela e trabalhe como diarista, se for presa pelo furto de uma lata de leite num supermercado ou pelo seqüestro de um bebê, aguardará na cadeia até o final do processo. Afinal, quem mora em favela não "tem bons antecedentes", nem endereço fixo e diarista não tem carteira assinada. Já o garotão, que mora numa cobertura na Barra ou no Jaraguá (SP) e faz tráfico de drogas (o chamado "comércio exterior"), se for preso, logo terá a prisão relaxada, pois ele dirá que os 500 quilos de drogas em seu poder eram para "consumo próprio".

Depois do frio assassinato da sua filha, por um colega de elenco da TV Globo, Gloria Perez liderou uma campanha nacional e conseguiu mais de 1,2 milhão de assinaturas para o primeiro projeto de lei de iniciativa popular, aquele que criou uma nova categoria de crimes: os chamados hediondos. No rastro da comoção nacional diante da tragédia pessoal de Gloria Peres, foram elencados diversos crimes, cujos autores não teriam direito, como antes, à progressão da pena a partir do cumprimento de um sexto ano da pena, isto é, quem fosse condenado a 30 anos de prisão, pena máxima no Brasil, não poderia mais ir para o regime da prisão albergue (apenas dormir na cadeia) a partir do cumprimento de apenas cinco anos. Agora, nem isso mais acontecerá, pois os ministros do Supremo Tribunal Federal, que impediram a quebra do sigilo dos abastecedores do valerioduto, acabam de decidir que a figura do crime hediondo é inconstitucional. Isto mesmo: falar em crime hediondo no Brasil é violar os direitos de criminosos, como aquele deputado que "passava na motosserra" quem se atrevesse a desafiá-lo!
Da mesma forma que nunca se investigou o "desaparecimento" de presos da Delegacia do tristemente famoso "311" de Caxias, também não se poderá esperar que fiquem na cadeia, por muitos anos, os grandes criminosos. Até os bens dos traficantes, apreendidos pela Polícia Federal, estão sendo devolvidos aos bandidos por ordem judicial! Que país é este.

(Publicado em "O MUNICIPAL", Edição nº 9061, de 17 a 24-03-2006, pg. 5.
CONCEPÇÃO: ALBERTO MARQUES E JOSUÉ CARDOSO. FOTO: REPRODUÇÃO)