Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

sábado, junho 10, 2006

CAMINHO DO PILAR

O PIONEIRO CAMINHO DO
OURO E SUAS VARIANTES
Guilherme Peres
A ocupação do vasto território hoje conhecido como Baixada Fluminense, cercado de charcos e pantanais, ainda no século XVI se renderia ao trabalho pioneiro dos desbravadores. Fixados em sesmarias e sobejos que se limitavam com rios e montanhas, além do pastoreio e a semeadura, a luta contra os gentios era atividade constante. Em fins desse primeiro século, engenhos de cana já fumegavam em território concedido a Cristóvão de Barros à margem do rio Magé, iniciando a ocupação de vales banhados pelos rios Meriti, Sarapuí, Iguaçu, Guandu, Inhomirim, Suruí, Iriri, Macacu e seus afluentes.
Aflorando aluviões de generosa fertilidade, transformaram seu solo em pastos verdejantes ondulados de canaviais, alimentando engenhos e engenhocas no labor diário da fabricação do açúcar, regado com o suor e o sangue do negro escravo. Aos poucos adentrariam florestas, mas se esbarrariam com a imensidão da serra do Mar. Sant’Ana, Órgãos e Estrela compunham o paredão indevassável que formava nesta região seu espinhaço frontal, assinalado nos mapas seiscentistas de “certão” e “ocupado por índios brabos”. Durante dois séculos a natureza hostil e montanhosa dessa serra fluminense manteve intransponível a barreira das comunicações do Rio de Janeiro com o Planalto. Porém, rompendo essa vastidão, Garcia Rodrigues, filho do bandeirante paulista Fernão Dias Paes, com seus índios e escravos, veio descortinar em 1704 no sítio do Couto, a visão magnífica de toda a baia de Guanabara e seu recôncavo, levando até Pilar o “Caminho do Ouro”. E Bernardo Soares de Proença, sesmeiro em Suruí, também rasgasse uma nova passagem, com o “Caminho do Inhomirim”, iniciado à margem desse rio transformado em porto, com uma capela sobranceira denominada de N. Sra. da Estrela dos Mares, subido a serra e seguindo antigas trilhas indígenas passando por Córrego Seco, atual Petrópolis, entregue ao trânsito em 1724. O mestre de Campo Estevão Pinto em 1728, descendo pela serra do Tinguá, abriu o início do “Caminho de Terra Firme” fugindo dos brejos e da navegação fluvial, deixando na passagem, um foco de próspera colonização graças a numerosas concessões de sesmarias, entre as quais a fazenda do Guandu, vizinho de Marapicu, pertencente a Pedro Dias Paes Leme o Marquês de São João Marcos, filho de Fernando Dias Paes Leme, descendente do famoso bandeirante paulista Fernão Dias Paes, que ali construiu em 1762 a capela de N. Sra. de Belém e do Menino Deus (Japeri) No mapa da Capitania do Rio de Janeiro, desenhado pelo Sargento-mor Manoel Vieyra Leão no ano de 1767 por ordem do Conde da Cunha, vemos que o caminho pioneiro de Garcia Rodrigues Paes partia da freguesia de Nossa Senhora do Pilar subindo o curso desse rio antes de galgar a serra do Couto. Do porto da Estrela à margem do rio Inhomirim, iniciava-se a primeira variante já referida.
O “Caminho de Terra Firme”, a segunda variante partia do Rio de Janeiro e, descrito por Antonil, indica o caminho terrestre por Irajá, engenho do Alcaide-mor Tomé Correia, Porto do Nóbrega no rio Iguaçu e sítio de Manoel do Couto, encontrando-se com o caminho de Garcia Paes.
Uma bifurcação tinha origem na freguesia de Jacutinga, conforme se vê no mapa corrigido da “Carta Geográfica da Capitania” do ano de 1801, oferecido a D. Antônio Roiz d’Aguiar, volvia para Noroeste buscando o pé da serra de Gericinó, passando pelo engenho Maxambomba (Nova Iguaçu), até atingir a roça de Pedro Dias, Freguesia da Sacra Família e, voltando para nordeste, alcançando a localidade de Pau Grande, no encontro com o caminho do Pilar.

O CAMINHO DE PARATI
Durante o início da mineração, no final do século XVII, ao partir do centro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, para se alcançar o caminho Velho das Minas, que começava em Parati, o viajante tinha duas opções: atravessar a baia de Sepetiba em direção a Parati e subir a trilha dos Guaianazes, transpondo a serra da Mantiqueira pela garganta do Embaú, ou alcançar a mesma baia em busca dessa trilha, pelo caminho de terra através da estrada Real de Santa Cruz, até o embarque na ilha da Pescaria à sua margem, pertencente aos padres da Companhia. Transferindo a sede administrativa do Rio de Janeiro para a região mineradora, segundo a carta régia de 1696 “para ficar mais próximo às minas”, o Governador Arthur de Sá e Menezes, percorreu esse caminho “longo, penoso e temerário”, mas até então o único existente.
“Depois do caminho pela serra do Facão à Vila de Parati” diz Monsenhor Pizarro, “foi primeiro o que Garcia Rodrigues abriu em direitura a serra dos Órgãos, por onde se fez o trânsito geral, até aparecer outro mais apto, desde o Rio Paraíba ao sítio ou roça do Alferes de Ordenanças, Leonardo Cardoso da Silva, daí a serra do Couto, e dela à de Tinguá, procurando a freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Iguaçu” (denominada nesse período de Nossa Senhora da Piedade do Caminho Velho) “por cuja estrada se chega à cidade, sem precisar de conduções marítimas”.
Essa facilidade proporcionou ao Rio de Janeiro, o principal papel de escoadouro do ouro e pedras preciosas, transformando-o no maior centro comercial da colônia, passando a atuar como representante da Coroa em suas atividades políticas e administrativas. A futura Estrada Real de Santa Cruz, que antes era o início do caminho terrestre para a baia de Sepetiba em busca de Parati, passou a ter uma importância secundária com a abertura do Caminho Novo “o que provocou a resistência dos paratienses, dos Jesuítas de Santa Cruz e de outros proprietários de terra interessados na manutenção do primeiro eixo”.
Dois caminhos contemporâneos destacaram-se no sistema de comunicação da região em estudo: a variante do Proença com término no Porto da Estrela, e o Caminho de Terra Firme, usado na segunda metade do século XVIII e início do XIX. Seu traçado foi determinado pela necessidade de fugir à zona pantanosa, que se encontrava nos vales dos rios que formavam a bacia hidrográfica da parte ocidental da baia de Guanabara.

O CAMINHO DE GARCIA PAES
Segundo documentos relativos ao bandeirismo paulista, publicado por Basílio de Magalhães, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XVIII, à pagina 464, que em carta ao Rei, datada de 24 de maio de 1698, Artur de Sá e Menezes expõe a necessidade “de uma estrada para as minas, a qual facilitasse as comunicações com o Rio de Janeiro a prol do aumento das lavras, da arrecadação dos quintos e até da criação do gado”.
Apresentou-se Amador Bueno, mas foram tantas as exigências, que seu projeto foi indeferido. Sabedor do contrato, Garcia Rodrigues Pais ofereceu-se “com zelo e desinteresse, contando que o Governador viesse ao Rio auxiliá-lo; ora, pela nova via de penetração, segundo o plano do filho do caçador de esmeraldas, em vez de três meses, tempo que então se gastava, se poriam apenas quinze dias entre a capital do sul e o longínquo interior do ouro”, finalizava Artur de Sá, indicando ao soberano a realização desse projeto “com o qual Garcia Paes faria grande serviço a V. Majestade, e a este povo grande sua obra”.
Iniciando essa empreitada, logo assim que o governo aceitou sua proposta em 1699, a abertura desse caminho consumiu 18 meses de trabalho “com alguns homens brancos e mais de quarenta negros (dos quais lhe morreram cinco) e fizera despesas consideráveis, saídas exclusivamente de seu próprio bolso”. Ao pedir auxílio aos moradores do Rio de Janeiro, que lhe haviam prometido, estes se recusaram, razão pelo qual o Governador ressarciu os prejuízos “do honesto e ativo paulista, lhe concedeu o privilégio, durante dois anos, poder trafegar gêneros de negócio pela estrada que abrira devendo, porém, leva-la a cabo a sua custa”.
O ponto de partida da estrada era a Borda do Campo, perto da atual Barbacena, “então conhecida como arraial dos Carijós”. Em 1700 o Governador era informado pelo Capitão-mor Pedro Taques, que a picada atingira a região de Ressaca onde começavam os Campos Gerais, exigindo “enormes cabedais, tendo que recorrer a bolsa de seu cunhado Domingos da Fonseca Leme, e obtivera escravos deste, que quisera a Sua Majestade fazer grande serviço”.
Como recompensa, Garcia Paes recebeu duas sesmarias nas margens do rio Paraíba e do rio Paraibuna, estabelecendo passagens com balsas e canoas à frete, além de obter o privilégio da utilização do caminho que abrisse, salvo para aqueles que transitassem “sem levar gêneros de espécie alguma, escravos ou índios, excetuando-se os carregadores de patrona”, (maleta de couro usada pelos soldados para carregar cartuchos
No território fluminense, “o novo caminho das Minas, que descia das margens do Paraíba pela Roça do Alferes, prosseguia pela serra do Couto ate atingir o arraial do Pilar, às margens do Iguaçu”
Exigindo novas informações sobre “a difícil diligência” efetuada por Garcia Paes, o soberano propôs a ida de Artur de Sá e Menezes às minas, aproveitando a jornada para examinar as trilhas abertas em função da abertura do Caminho Novo.
Em seu “Estudos e Depoimentos”, Daniel de Carvalho observa que nos tempos do Conde de Assumar só existam dois caminhos “legais” para as minas partindo do Rio de Janeiro “com ranchos para tropas, canoas ou balsas para travessia dos rios, pousos para viandantes e postos de guardas para fiscalização dos tributos e para segurança das pessoas e bens. As demais picadas existentes seriam caminhos ou veredas clandestinas para a entrada ou saída de quilombolas ou de pessoas sem passaporte e para o contrabando de ouro e de mercadorias”.
A proibição da abertura de novas picadas e a obrigação do transporte do ouro pelo caminho de Garcia Paes, foi uma exigência da “Lei de 10 de março de 1720, impondo penas severas” aos infratores.
“Amador Bueno da Veiga” segundo Affonso Taunay, “considerando que o caminho aberto por Garcia Paes era um tanto impróprio ao trânsito de cavalgaduras e tropas de gados, pelas extensas florestas atravessadas sem recursos de pastagens, propôs abrir nova estrada mais conveniente”. Um certo Félix de Gusmão propôs ao Governador abrir um novo caminho, porém esse, pelo contrário, “proibiu a abertura de novas picadas”.
Com o aumento do transito essa estrada tornou-se imprópria, até que um morador em São Nicolau do Suruí, Bernardo Soares de Proença, sesmeiro nas encostas da serra do Frade e Tocaia Grande, próximo à Córrego Sêco (Petrópolis), propôs abrir um caminho por essa garganta, “sem ônus para o erário real”, sendo sua projeto autorizado.
Ligando o porto da Estrela na margem do rio Inhomirim, ao vale do Paraíba, foi entregue ao trânsito em 1724, sendo aplicados nessa empresa “mais de cem mil cruzados, perdendo o seu autor, além de seus haveres, muitos escravos e índios de sua propriedade”.

A INVASÃO FRANCESA NO RIO DE JANEIRO
Naquela manhã de sábado, dia 12 de setembro de 1711, uma forte serração cobria o Rio de Janeiro. Às 5:30 da manhã “orientamos o pano a fim de aterrarmos diante da baia do Rio de Janeiro”, diz em seu diário o guarda-marinha francês Du Plessis-Parseau, tripulante do “Lys”, navio capitânia que conduzia Du Guay-Trouin.
Em seu raro livro divulgado na França logo após a volta da esquadra, traduzido e publicado no Brasil em 1942 com o título de “Expedição Francesa Contra o Rio de Janeiro”, Du Plessis conta para a gloria da França, aqueles cinqüenta dias de horror, saques e mortes, que marcaram para o Brasil, um dos momentos mais humilhantes de sua história.
“Soprando vento fresco de E, e persistindo o nevoeiro, o que nos era favorável, pois que só poderíamos ser descobertos de terra quando estivéssemos muito perto, o que efetivamente aconteceu”.
Alguns escravos que pescavam a bordo de pequenos barcos próximo à entrada da barra, estranharam grandes silhuetas brancas que deslizavam em silencio adentrando a baia de Guanabara. “O Magnanime” estava na vanguarda a fim de determinar o rumo, pois seu comandante já conhecia o Rio de Janeiro. Em sua esteira vinha o “Brillant”, seguido pelo “Aquille”, “Lys”, “Fidele”, “Mars” e “Glorieux”; vinha depois o “Bellone” e as demais fragatas, segundo sua importância e hierarquia, “cada um em seu posto, pronto a combater”. Era uma hora da tarde.
Avistados pelas fortalezas abriu-se fogo de ambos os lados durante meia hora, tempo suficiente ante a fraqueza do defensor, para entrarem na barra 17 navios de guerra franceses, com 700 canhões, dez morteiros e transportando cerca de 6 mil homens, fazendo saltar o depósito de pólvora da ilha de Villegaignon “com o que morreram mais de 30 pessoas e muitos feridos”
O “Magnanime” liderando o comboio foi o primeiro a ser “saudado” pela fortaleza de Santa Cruz, “situado à direita da entrada e da qual era forçoso passar à queima roupa. A fortaleza dispunha de 44 canhões de todos os calibres, desde 48 libras de peso de projétil até aos de 8 libras; e cedo começou a nos fazer sentir a sua artilharia, sem respeitar o pavilhão inglês que tínhamos içado”.
O recuo de 4 naus de guerra portuguesas que estavam entre essa ilha e a cidade “por não poderem, pela brevidade do tempo ou pelas razões que davam os cabos que a governavam”, dar combate aquela poderosa esquadra sua pouca tripulação desembarcando e largando as amarras, os navios foram encalhados e incendiados “na ponta da Misericórdia, na ilha das Cobras e junto a São Bento...coisa incrível para quem conhece a barra do Rio de Janeiro”, diria mais tarde o Governador Francisco de Castro Morais em carta ao Governador-Geral do Brasil, D. Lourenço de Almada, depois da rendição do Rio de Janeiro.
“Todos esses obstáculos, porem não conseguiram perturbar a bela ordem que foi observada por toda a esquadra, que fez uma entrada digna da audácia e do orgulho francês e fundeou, toda ela às 4 horas da tarde, no interior da baia, fora do alcance dos canhões da defesa, sem ter sofrido muito em seu arvoredo e com perda apenas de um único oficial, M.Laminille, sub-brigadeiro dos Guardas da Marinhas e poucas praças mortas e feridas”.
Aqui vemos que o guarda-marinha francês, num arroubo patriótico, exagera quanto as defesas da cidade que estavam praticamente desguarnecidas. Avisado por um emissário que viera de Cabo Frio no dia 5 de agosto, o Governador Francisco de Morais preparou a defesa da cidade. “Guarneceram-se as fortalezas, que seguram o porto e animando-se os soldados uns aos outros”, mas, diz Monsenhor Pizarro, “como, porém corressem cinco dias, e se não divisasse ao largo alguma vela, isto bastou para que reputado falso o aviso, se expedissem novas ordens, e retirando-se a guarnição dos fortes, se voltasse tudo antigo ócio, como se não tivesse passado algum risco, nem dele houvesse algum receio”.
Ao serem surpreendidos com a invasão, diz Pizarro com evidente revolta, “a maior confusão imediatamente se sucedeu a tão indiscreta segurança... tanto lhe era facílimo conseguir por um fogo bem dirigido; aliás, era igualmente do seu dever, dispondo em tempo conveniente as tropas de terra, impedir o desembarque. Nada menos se fez; perplexo ambos os chefes e perdido de todo o ânimo, nenhum atinou com o meio da defesa, senão é que Gaspar da Costa, mandando fora de ocasião incendiar as naus, e Francisco de Castro, fazendo encravar a artilharia da Fortaleza da Ilha das Cobras que desamparou, ou quiseram facilitar o passo do inimigo, ou impor ao mundo, em ar de oficiais hábeis, que souberam tirar partido da desgraça, tornando menos grata ao inimigo a vitória, que não souberam estorvar-lhe...tudo pois favoreceu a entrada: um espesso nevoeiro que forrava o céu, vento, maré, e nenhuma resistência”.

UM PEDIDO DE SOCORRO
Um emissário enviado pelo governador Francisco de Castro no dia 13 de setembro de 1711, com pedido de socorro e uma ordem expressa para a troca de cavalos durante o trajeto pelo Caminho Novo, chegou as mãos do Governador das Minas, Antonio de Albuquerque, no dia 21 do mesmo mês. Alvoroçaram-se os povoados que se formavam a margem de córregos e rios à cata do precioso minério. Mobilizou-se em poucos dias uma multidão de garimpeiros dispostos a descerem as montanhas e expulsar o invasor. Sob as ordens do governador angariou-se recursos para a longa travessia de rios e florestas, e “obteve donativos no valor de 20 contos de réis com que preparou os terços que marcharam”.
“Podemos avaliar” diz Augusto Tasso Fragoso, as dificuldades do Governador “em dar feição militar a essa massa coletiva cuja coesão assentava unicamente no patriotismo e na confiança do chefe que a conduzia”. A reunião de cerca de 6000 homens “da mais luzida gente”, (disse Albuquerque mais tarde em ofício enviado ao rei) de um momento para outro, sem o recurso de roupas, calçados, montarias, armas e treinamento para, numa caminhada de 17 dias ir dar combate a um inimigo invasor altamente experiente nas guerras de conquistas, foi em nossa modesta opinião, um dos episódios mais gloriosos da História do Brasil.
De Ribeirão do Carmo apresentou-se Pedro Frazão de Brito à frente de 200 homens “armados e pagos por ele”. Assim como “Torquato Teixeira de Carvalho, Rodrigo Bicudo Chassim, Domingos Fernandes Pinto e outros, uns com 30, outros com 50 e 100 homens”, todos armados e sustentados a custa de cada líder. De Vila Rica marcharam em direção a Vila Real do Sabará, na encruzilhada das Congonhas, onde ali esperavam o general “cerca de duzentos homens armados e sustentados” por várias lideranças. Curiosamente vamos encontrar durante a descrição da caminhada das tropas de Albuquerque feita por Diogo de Vasconcelos, com sua chegada à Registro, o nome do coronel Domingos Rodrigues da Fonseca Leme, que os esperava em sua fazenda, o mesmo que ajudou o cunhado Garcia Paes, “com escravos e cabedais”, a concluir a abertura do Caminho Novo do Pilar. “Fornecendo o gado necessário a jornada” este se pôs à frente “marchando com 200 homens”.
Não podendo esperar outras tropas que partiram de regiões distantes, o general deixou aviso que o seguisse pelo mesmo caminho “que não oferecia desvios”. A estação chuvosa deixava a estrada enlameada. Cascos de animais, botas e pés descalços marcavam a passagem daqueles homens rudes, reunidos pelo sentimento nativista. A travessia dos rios era demorada, não havia canoas suficientes e o número de embarcados limitados, pelos riscos das corredeiras durante as cheias. A viagem foi feita pelo chamado “Caminho Novo”, ou “Caminho do Pilar” recentemente aberto por Garcia Paes, “cercado de matas virgens” e entregue ao trânsito em 1704, com raras habitações e poucos recursos à sua margem. Não havia animais para todos, a maioria se deslocou a pé. Em 12 dias de marcha, chegaram e acamparam os primeiros pelotões para descansarem, a espera dos demais “nos pousos que chamam frios”. Diz Antonil: “No dito cume faz um tabuleiro direito em que se pode formar um grande batalhão, e em dia claro é sítio bem formoso, e se descobre dele o Rio de Janeiro e inteiramente todo o seu recôncavo”.
Constituindo o até então paredão indevassável da serra do Mar em direção a Baixada Fluminense, esse caminho tinha como referência o pico do Couto. Com 630 metros de altura destaca-se entre os picos do Tinguá e a da Estrela, dando passagem no pé dessa montanha através do desfiladeiro que rompia a sesmaria pertencente a Manoel do Couto, descendo paralelo ao rio Pilar. Naquele momento o general Albuquerque recebeu a dolorosa notícia que decepcionou a todos: a cidade seqüestrada tinha cedido as exigências do inimigo. Imaginamos o desânimo que se abateu sobre aquela gente guerreira e disposta cobrar com sangue, o despertar de um dos primeiros sentimentos patrióticos do povo brasileiro.
“Estalava-lhes o coração nos peitos, e mal podia persuadir-se do que viam” diz monsenhor Pizarro “muito menos que bastasse a obra de dezoito dias a vencer tantas dificuldades. Tudo lhes parecia sonho, e nesses momentos de tristeza, representou-se-lhes a cidade mais bela, do que fora e seus contornos mais agradáveis do que tinham sido, dando infinito valor à perda”.
Desceram a serra esperançosos na suspensão do pagamento do resgate, e se iniciarem os combates para o qual aqueles homens estavam preparados. Passando pelo arraial do Pilar, que ainda era um pequeno aglomerado de casas de estuque aninhados em torno do porto e próximo a construção de uma nova Igreja dedicada a N. Sra. do Pilar “de pedra e cal” erguida pelos fiéis, o general com sua tropa dirigiu-se a sede da fazenda de São Bento dos padres Beneditinos para se aquartelar. Entretanto as negociações já estavam adiantadas. Sabedor da aproximação do governador das minas com suas tropas, Duguay-Trouin facilitou o acordo apressando o recebimento do resgate. “Depois disso ajustado e as capitulações feitas, chegou ao Aguassú o senhor Antônio de Albuquerque, que desceu das Minas como socorro de nove mil homens (sic), em que entravam quatro tropas de oitenta cavalos”, narrou Manoel de Vasconcelos Velho “em carta particular” a Domingos José da Silveira, residente em Lisboa, e transcrita por Monsenhor Pizarro em suas Memórias Históricas do Rio de Janeiro.
“E quando pudera servir isto de grande bem, serviu mais de despertar o sentimento de todos; porque chegou a tempo em que o saque já estava embarcado, o estrago feito e a saída da barra franca, por terem as fortalezas por si, e mais bem guarnecidas, do que as acharam: por onde lhe não ficou nada a fazer. Também na tardança desse socorro, culpam a Francisco de Castro, por que dizem não remetera logo ao senhor Antônio de Albuquerque a carta por onde El Rei o mandava descer a baixo, e tomar o Governo”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ANTONIL, André João – “Cultura e Opulência do Brasil”, 3ª - Ed. Itatiaia 1982
PIZARRO E ARAUJO, José de Souza Azevedo – “Memórias Históricas do Rio de Janeiro”, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1945.
FORTE, Mattoso Maia – “Memória da Fundação de Iguassú”, Rio de Janeiro, Tip. Jornal do Comércio, 1933.
PERES, Guilherme – “Baixada Fluminense, os Caminhos do Ouro”, Rio de Janeiro, Gráfica Register, 1993.
LAMEGO, Alberto Ribeiro – “O Homem e a Guanabara”, Rio de Janeiro, IBGE, 1948.
PRADO JUNIOR, Caio – “Formação do Brasil Contemporâneo”, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1977
CARVALHO, Daniel de – “Estudos e Depoimentos” – José Olímpio Editora RJ. 1953
BOXER, C. R. – “A Idade de Ouro do Brasil” – Cia. Editora Nacional, SP 1969
PARSEAU, Du Plessis – “Expedição Francesa Contra o Rio de Janeiro em 1711” –Imprensa Nacional, RJ 1942
FRAGOSO, Augusto Tasso “Os Franceses no Rio de Janeiro” – Biblioteca do Exército – RJ 1965
VASCONCELOS, Diogo de – “História Antiga das Minas Gerais” – INL RJ 1948

1 Comentários:

Blogger JotaMarcio disse...

Prezado Alberto. Sou engenheiro de Juiz de Fora. Estou tentando demarcar no mapa os pontos principais do caminho novo. Voce teria como me informar a localização, hoje, do engenho do alcaide mor? Meu e-mail é jmbbastos@gmail.com - Atencipadamente, meu muito obrigado.

8:08 AM, abril 06, 2010

 

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