Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

sexta-feira, dezembro 23, 2005

DUQUE DE CAXIAS, DE PEQUENA VILA À LIDERANÇA DO PIB EM APENAS 62 ANOS (Coluna 153)

A festa em comemoração à criação do município, no casarão
da Av. Rio Petrópolis, hoje apenas mais um hotel para encontros fortuitos em pleno centro da cidade

► No dia 31 de dezembro, Duque de Caxias estará comemorando 62 anos de emancipação político-administrativa, período em que passou de uma simples vila, encravada na Baixada Fluminense dominada pela Malária, à segunda cidade em importância econômica do Estado do Rio e um dos maiores PIBs do País, superando a maioria das Capitais. Mesmo depois de perder a FNM - a primeira fábrica de automóveis e caminhões do País - nos anos 70, o Município não perdeu a sua vocação para o progresso, atraindo empresas de outros Estados e até do exterior, que aqui encontram facilidade de acesso (por estrada de ferro e rodovias), baixo custo da terra, disponibilidade de energia elétrica (inclusive, de uma termoelétrica inaugurada, mas desligada), mão de obra qualificada e acesso fácil a portos e aeroportos.

Nascida da conjuntura política em plena II Guerra Mundial, quando a ditadura do Estado Novo instaurado em 1937 dava sinais evidentes de fadiga, a emancipação política do 8º Districto de Iguassu (grafia da época) foi um ato pensado do Governo Federal para, através do novo município, manobrar as forças políticas da região, no sistema de trocas de favores, prática levada ao extremo pelo atual Governo com a manipulação dos cargos de direção e os orçamentos das estatais, como Petrobras (em cuja esteira o Sr. Silvio Pereira ganhou um carrinho de R$ 85 mil) Correios (onde um amigo do deputado Roberto Jefferson foi filmado recebendo R$ 3 mil de propina), Furnas, Banco do Brasil (que usou a Visanet para abastecer o caixa da "SMP&B" e do PT), Caixa Econômica Federal, além dos Fundos de Pensão das estatais.

A tese de que a emancipação da Vila Meriti não foi uma conquista do seu povo, resultado de uma campanha comandada pela UPC-União Popular Caxiense - onde, mais tarde, seria fundada a Associação Comercial do Município, mas, sim, um ato unilateral dos governantes da época, foi levantada pela professora Helenita Maria Beserra da Silva num trabalho publicado na revista "Pilares da História", editada pelo Instituto Histórico da Câmara, em sua edição de dezembro de 2003.

Bacharel em História, com licenciatura plena pela UERJ, e pós-graduação em História do Brasil pela UFF, a pesquisadora, que também é professora de História da rede estadual, discorda de alguns analistas, que apontam a decadência do Estado Novo como fator preponderante, preferindo a tese de que, ao atender aos reclamos do povo que pedia mais autonomia para os distritos e vilas, o Governo Vargas estava, na verdade, tentando atrair as simpatias populares e continuar manobrando as lideranças locais. E a emérita professora afirma: "A emancipação do município se deu numa tentativa política de organizar o quadro territorial do País", pois essa política de redivisão territorial, que abria as portas para novas lideranças locais, foi igualmente aplicada em outras regiões do País.

A propósito da origem do movimento emancipacionista, a professora lembra a prisão do jornalista Sylvio Goulart, já falecido, um dos subscritores de um abaixo-assinado, firmado em 25 de julho de 1940, a favor da divisão de Iguaçu, sem qualquer referência à Vila Meriti. O documento, que provocou irritação do interventor federal no Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, afirmava: "Divida-se o município. Sim, porque é obra de alta política administrativa, de perfeita compreensão das possibilidades econômicas e financeiras da aterra que governa, porque é "dar a cada um segundo aquilo que produz".

Junto com Sylvio Goulart, responderam a processo perante o Tribunal de Segurança Nacional os Srs. Rufino Gomes Jr., Amadeu Lanzeloti, Joaquim Linhares, José Basílio da Silva, Antonio Moreira de Carvalho, Luis Antonio Felix, Mario Pina Cabral, Ramiro Gonçalves, Costa Maia e Abílio Teixeira. Além de processado, Sylvio Goulart acabou vendo o seu jornal "A Voz do Povo de Caxias", pioneiro na imprensa da Baixada Fluminense, fechado pela Ditadura.

Um dos mais fortes indícios de que a emancipação da Vila Meriti foi um ato improvisado, sem qualquer ligação com os movimentos liderados pela UPC - União Popular Caxiense - é que o Decreto-Lei Estadual nº 1.055, publicado no dia 31 de dezembro de 1943, às vésperas de um feriado. O decreto desmembrava alguns distritos de Nova Iguaçu, como Meriti, Imbariê (ex-Estrela) e parte de Belford Roxo, e criava o Município de Duque de Caxias, e, no mesmo dia da sua publicação, foi realizada a cerimônia de instalação do novo Município. O local da comemoração - e, segundo informações não oficiais, onde funcionou a primeira sede do Executivo - foi uma ampla casa na Estrada Rio Petrópolis, a poucos passos da estação ferroviária, que servia de residência ao empresário Tupynambá de Castro, amigo do interventor Amaral Peixoto e que, com a derrubada do "Estado Novo", surgiu como um dos líderes do Partido Social Democrático, o velho PSD, comandado justamente pelo genro do ex-ditador Getúlio Vargas.

(Publicado em "O MUNICIPAL", edição Nº 9054, 23-12-2005 A 06-01-2006, pg. 5.
CONCEPÇÃO: ALBERTO MARQUES E JOSUÉ CARDOSO. FOTO: ACERVO DO INSTITUTO HISTÓRICO VEREADOR THOMÉ SIQUEIRA BARRETO-CÂMARA MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS)

terça-feira, dezembro 20, 2005

UMA INFÂNCIA VIOLADA: DO ROLA-ROLA AO MALABARISMO NOS SINAIS DE TRÂNSITO (Coluna 152)




Nos anos 50, era o "rola-rola" que garantia a sobrevivência das famílias mais pobres. Meio século depois, são as bolas de tênis que garantem até R$ 30 por dia para meninos e meninas


► Apesar de, há mais de um século, Duque de Caxias - com os mananciais de Xerém e Mantiquira - fornecer água para a cidade do Rio de Janeiro, o caxiense parece destinado a conviver com torneiras secas e valas de esgotos. Nos anos 50, o surgimento das favelas ganhou ritmo acelerado, quer pela abertura de novas avenidas, com a demolição de antigas vilas, quer pela chegada dos "paus-de-arara", com levas de retirantes nordestinos, que fugiam da seca e da violência no sertão e, a chegarem a Duque de Caxias pela esburacada Rio-Bahia, eram impedidos de chegarem à Capital da República. Os caminhões voltavam, mas os retirantes por aqui eram abandonados. Depois de uns dias na Pensão do Norte, na Avenida Nilo Peçanha, os migrantes começavam a procurar parentes por aqui residentes e, à falta de uma política habitacional decente, começavam a erguer "puxadinhos" em seus barracos.

Como, apesar de ser dona dos mananciais de Xerém e Mantiquira, Duque de Caxias não tinha rede de água potável, os migrantes passaram a usar velhos tonéis, antes usados no transporte de vinho e outros produtos, para o transporte de água. Eram os "rola-rola", muito comuns no Nordeste, onde é preciso caminhar até quilômetros em busca de água para beber e fazer aquele feijão ralo que, engrossado com farinha de mandioca, acabam se transformando na única refeição de milhares de famílias, Bahia a fora.

E o "rola-rola" passou a ser o ganha-pão de muita gente, principalmente as crianças, que não tinham escola, nem condições de brincar. Foram gerações seguidas que tiveram a infância violada, obrigadas ao trabalho estafante de rolar barricas, com capacidade de até 100 litros de água, subindo e descendo os morros da cidade. Boa parte desses meninos e meninas saiam da favela surgida ao longo da Av. Dr. Manoel Teles, mais tarde batizada de Vila Ideal, por representar o ideal de toda família: ter um teto seguro para se abrigar do sol e da chuva!

Hoje, os filhos e netos daqueles nordestinos - que cresceram sem escola e sem perspectivas de trabalho - aproveitam os sinais de trânsito para fazerem malabarismo com velhas bolas de tênis. Não são candidatos a uma vaga nos torneios internacionais de Wimbledon, ou de Roland Garros, apenas meninos e meninas pobres, que foram obrigados a trocarem as bonecas de pano e as bolas de meia por um "esporte" mais pragmático, ao permitir a eles que levem para casa até R$ 30 por dia.

Para esses meninos e meninas, as chamadas "cotas raciais" não garantem o ingresso nas Universidades, nem o "Bolsa Família", de até R$ 95 por mês, supre as carências de proteínas provocadas pela fome nos primeiros anos de vida desses brasileiros, condenados, por uma sociedade injusta e perversa, a serem os futuros marginais, que superlotam as cadeias ou incendeiam ônibus com trabalhadores, como ocorreu na Penha há poucos dias.

Vivemos um clima de guerra civil, onde trabalhadores sem terra são acusados de crime hediondo - por lutarem pela reforma agrária, que a nossa sociedade reluta em implantar, mais de 100 anos depois de abolir a escravidão oficial - e os hospitais estão caindo aos pedaços, enquanto o Governo recusa a ajuda de uma instituição da Holanda, que se dispunha a doar equipamentos, no valor de US$ 700 mil para o Hospital Mário Kröeff, coincidentemente localizado na conflagrada Penha Circular, onde passageiros de ônibus foram queimados vivos por bandidos!

Depois de 1960, com a inauguração do sistema de abastecimento de água - que continua precário - os rola-rola foram aposentados, ou substituídos pelas bolas de tênis, mas a nossa infância continua sendo diariamente violentada, quer dentro de casa - onde continua faltando comida, educação, saúde - quer na sociedade, onde irão engrossar a multidão does excluídos, não do mundo virtual e maravilho da Internet, como pensam alguns dos nossos mais famosos "pensadores", mas excluídos, sim, de uma vida digna, com transporte público barato e eficiente, com escolas onde os professores sejam respeitados pelo Governo e pelos alunos, com hospitais onde não faltem atadura e lençóis nas camas, onde os visitantes e parentes dos pacientes não precisem lavar as privadas ou varrem as enfermarias.

Também é inaceitável que um jovem de 18 anos, um modesto estagiário, consiga entrar no sistema da Previdência e desviar mais de R$ 3 milhões sem que ninguém, seja da direção do INSS, seja do Ministério da Previdência, seja exemplarmente punido, quer pela omissão, quer pela conivência!

Enfim, o que precisamos é de mais Governo - administrando com eficiência e responsabilidade - e menos blá-blá-blás! Chega de valeriodutos, de propinodutos, de empresas "offshore" para lavagem de dinheiro!

(Publicada em "O MUNICIPAL", Ed. Nº 9053, de16 a 23-12-2005, pg. 5
CONCEPÇÃO: ALBERTO MARQUES E JOSUÉ CARDOSO. FOTO: ACERVO PESSOAL DE ROGÉRIO TORRES)