Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

A ARQUITETURA DA BAIXADA, UMA PÁGINA ARRANCADA DA HISTÓRIA A MARRETADAS (Coluna 150)


A “Fortaleza” do ex-deputado Tenório Cavalcanti hoje
abriga uma drogaria e um órgão profissionalizante

► A recente inauguração da FAETEC, na antiga residência do deputado Tenório Cavalcante, trouxe à lume a participação de figuras importantes da arquitetura brasileira em projetos que, ao longo dos anos, foram desfigurados, quer pela ação do tempo, sempre inclemente com os desleixados e acomodados, quer pela ação do próprio homem, com a sua estreiteza de visão, ao considerar o ontem como uma terrível mancha de caráter que deve ser apagada da memória para sempre.

A "Fortaleza", como era mais conhecida a residência do polêmico deputado, pela imponência de sua fachada - com portões de aço fabricados na CSN, que, segundo a versão do seu mais importante morador, só seriam atravessados por potentes bazucas - foi um projeto nada belicoso do arquiteto Sergio Bernardes, um dos mais famosos do País no Século XX. Nascido no Rio de Janeiro, em 9 de abril de 1919, conseguiu projeção internacional criando novos materiais e inovando as aplicações dos já existentes. Ganhou o Prêmio Internacional de Arte Sacra, em Darmstadt, Alemanha, pelo projeto da igreja de São Domingos, em São Paulo (1952), o Prêmio Internacional de Habitação da II Bienal de São Paulo (1953) e o de habitação individual na Trienal de Veneza (1954). Discípulo de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, ele foi autor de obras representativas como o projeto do Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial da Bélgica em 1958, do Centro de Convenções e do mastro da Bandeira Nacional de Brasília. Ele morreu no Rio de Janeiro em 15 de junho de 2002, em decorrência de complicações depois de sofrer um AVC.

Esse trio de vitoriosos arquitetos - Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Sérgio Bernardes - tem muito a ver com a História da Arquitetura em Duque de Caxias. A poucos metros de distância e por traz da "Fortaleza", deveria estar uma das primeiras obras assinadas, na década de 20, pelo mestre Lúcio Costa. Foi dele o primeiro prédio da Escola Regional de Meriti, inaugurado em 1928 e construído em pedra e cal como costumam e gostam de grafar os nossos notários (eles não querem mais ser chamados de Tabeliães). Com o passar do tempo, o prédio foi modificado, mas a artista plástica Martha Rossi, que ali trabalhou por meio século, registrou, em tela a óleo as linhas simples, mas funcionais do prédio que abrigou a escola criada pela professora Armanda Álvaro Alberto, uma jovem de família abastada, que tinha tudo para ser uma deslumbrada dondoca da Zona Sul do Rio de Janeiro, mas preferiu andar de trem e dar aulas à sombra de bambus, numa poeirenta Vila Meriti. A Escola, fundada em 13 de fevereiro de 1921, acabou sendo doada, de "porteira fechada" à ONG de uma Igreja evangélica americana, pois nenhum governante neste País se interessou por aquele incrível patrimônio, pois a "Mate Com Angu", como era chamada por seus alunos, foi a primeira na Baixada Fluminense a funcionar em horário integral, a implantar a merenda escolar e oferecer noções de higiene que as mães deveriam aplicar na educação dos seus filhos. Isso acontecia desde 13 de fevereiro de 1921 quando foi inaugurada a "Escola Proletária de Meriti", mas tarde rebatizada para "Escola Regional de Meriti", assim permanecendo até a doação ao Instituto Central do Povo, em 1964. Entre seus colaboradores, encontramos Tristão de Ataíde, Carlos Drumonnd de Andrade, Heitor Lira, o médico sanitarista Belizário Pena, auxiliar de Oswaldo Cruz na campanha de vacinação no Rio de Janeiro, Ary Parreiras, Celso Kelly e Edgar Roque Pinto, o introdutor do rádio no Brasil e fundador da Rádio MEC, entre outros.

Já na Praça do Pacificador, ainda inconcluso, temos o Centro Cultural Oscar Niemeyer, um projeto que pretendia reunir teatro, biblioteca, videoteca e oficinas de artes, as últimas jogadas para “escanteio”. Afinal, obra que não possa ser traduzida em votos não interessa aos que se apresentam como lídimos representantes do povo.

A obra do jovem Lúcio Costa foi desfigurada, só restando a "Fortaleza" de Sério Bernardes. Vamos torcer para que, num futuro próximo, nossos governantes se dediquem a preservar o que já existe, para que não tenhamos que construir um "Museu das Ruínas", onde seriam "guardadas" relíquias como um pedaço de telha da Igreja de São João Batista de Trairaponga, hoje dedicada a Santa Terezinha do Meninos Jesus, no Parque Lafaiete, ou uma tábua do altar da Igreja do Pilar, ou ainda pedaços de tijolos onde, um dia, existiu a Igreja de São Bento.
Da Fazenda São Paulo, na Taquara, por exemplo, onde nasceu Luis Alves de Lima e Silva, o cultuado Duque de Caxias, só restaram algumas pedras dos alicerces da casa onde nasceu o Patrono do Exército, enquanto do antigo palacete de Dona Domitila de Castro, a poderosa e odiada Marquesa de Santos, às margens do Canal Aguadi, na hoje Vila São José, nem as pedras do alicerce escaparam da sanha dos nossos intrépidos "desbravadores" do Século XX.

(Publicada em "O MUNICIPAL", edição Nº 9051 (02 a 09-12-2005, pg. 5.

CONCEPÇÃO: ALBERTO MARQUES E JOSUÉ CARDOSO. FOTO: ACERVO DO INSTITUTO HISTÓRICO VEREADOR THOMÉ SIQUEIRA BARRETO (CÂMARA MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS)