Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

sexta-feira, novembro 18, 2005

CAIXA 2, UM DIA VOCÊ AINDA VAI TER A SUA (Coluna 148)

► Em depoimento gravado concedido aos professores e historiadores Rogério Torres, Newton Menezes e Marlúcia Santos Souza, o Sr. Elyseu Adail de Alvarenga Freire, que ocupou uma cadeira de vereador em Duque de Caxias na segunda legislatura (1951 a 1955), não se furtou em responder ao ser perguntado por um dos entrevistadores sobre a existência, já naquela época, da famosa “Caixa 2” de campanha, que Lula revelou, em Paris, ser prática corriqueira em nosso sistema político-eleitoral.
O entrevistado é filho do Sr. José de Alvarenga, que participou da campanha de emancipação da Vila Meriti - então 8º Districto de Iguassu, como era a grafia da época - e acabou merecendo uma homenagem do novo Município, dando nome à rua onde a família ainda mora, uma das principais do Distrito. Numa época em que o dinheiro era guardado sob o colchão, participar da eleição exigia do candidato não só prestígio, mas também muito dinheiro, pois ele deveria se ocupar não só da campanha eleitoral, com a distribuição de santinhos e participação em comícios, mas também e principalmente bancar a confecção e colagem de cartazes nos poucos muros e postes da cidade.Com a derrubada do Regime Vargas, em 1945, foram convocadas eleições gerais e autorizado o funcionamento dos partidos, que seriam responsáveis pela propaganda e o fornecimento das cédulas individuais de votação, que deveriam ser distribuídas em todas as seções.
Na verdadeira “guerra” em que uma eleição se baseava, os partidários de um candidato percorriam as seções eleitorais, onde destruíram as cédulas do adversário colocadas no interior da “cabine indevassável”, que eram substituídas pelas cédulas de outro candidato. Numa eleição da qual participavam UDN, PSD, PTB, PR, PCB, PL, entre outros partidos menores, a batalha nas seções eleitorais para ver quem mantinha, por mais tempo, suas cédulas e propaganda, iam muito além do discurso, resvalando, seguidamente, para o chamado desforço pessoal.Era a época de ouro dos chamados “cabos eleitorais”, que tinham missão menos nome do que defender a plataforma política do seu candidato ou partido. Valia também transportar, de uma seção eleitoral para outra, um bando de eleitores, que aceitavam “engrossar” as fileiras de determinado candidato em torça de dinheiro, emprego ou outras vantagens. Como o título eleitoral não tinha foto, os candidatos arrebanham amigos, que requeiram os títulos. Esses documentos, como não tinham outra serventia além de permitir o exercício do voto, ficavam em poder dos “cabos eleitorais” e, no dia do pleito, valiam muito.
O grupo que rodava pela cidade em caros particulares, recebia um punha de títulos em cada seção, onde deveriam votar no candidato previamente acertado. Assim, o Sr. Joaquim, depois de votar numa das seções do 25 de Agosto, era conduzido para uma segunda, no Centenário, onde, com o título de eleitor em nome de Waldemar, entrava na cabine, colocava num envelope as cédulas dos candidatos do seu grupo, depositava na urna, entrava no carro e seguia para uma terceira seção. Assim, durante todo o dia, o mesmo grupo podia votar em quantas seções o motorista conseguia alcançar numa cidade em que as ruas eram pouco mais que um caminho para a passagem de cavalos e burros.Era justamente na hora de “bancar” o transporte dos eleitores-volantes que o dinheiro, arrecadado junto ao comércio e chacareiros da Vila Meriti, tinha grande valia: servia para pagar os serviços do cabo eleitoral e “a pinga” que os eleitores-de-cabresto ingeriam durante todo dia. Afinal, um copo de pinga custa menos que uma quentinha, coisa que não havia no Brasil da primeira metade do Século XX.A cédula única, fornecida pela Justiça Eleitoral, só foi introduzida nas eleições de 1958, apesar da resistência de muitos políticos da época, pois acabava com o controle dos cabos eleitorais. Apesar de mais segura, a cédula oficial não acabou com as fraudes nas eleições.
Em 1950, a eleição do prefeito Braulino de Mattos Reis, por exemplo, foi contestada no Tribunal Regional Eleitoral do antigo Estado do Rio, o que obrigou o presidente da Câmara, vereador Adolfo David, a assumir a chefia do Executivo. Só dois anos depois é que o TRE confirmou a eleição de Braulino e ele pode assumir a Prefeitura.A contagem manual, cédula a cédula, com a escrituração dos mapas em cada junta apuradora, além de exigir muito esforço físico por parte dos escrutinadores e fiscais dos partidos, davam chance de um sem número de fraudes, inclusive a troca dos votos do candidato “A” pela votação do “B”. Nas eleições de 1958 houve até denúncia de desvio dos votos de um candidato a deputado, derrotado no pleito, para um candidato do interior, de maneira a “interar” o número de votos necessários para a eleição do endinheirado candidato. A grita só veio a público pelo fato dos votos “doados” beneficiarem um partido que, no plano estadual, era adversário do partido a que pertencia o suposto “doador”.
Em 1962, os partidários do professor Nelson Cintra impugnaram os resultados de algumas urnas e, como o número de votos ali depositados seria suficiente para alterar o resultado do pleito, foi determinada a realização de uma eleição suplementar, só nas seções impugnadas. Terminado o pleito, venceu Joaquim Tenório, que teve uma desastrada atuação porque, além dos problemas políticos de uma cidade dividida entre o PSD de Amaral Peixoto e a UDN de Tenório Cavalcante, enfrentou um grave problema de saúde, pois era portador da Síndrome de Alzheimer, doença que acabou provocando a sua morte logo depois de deixar o cargo, em 31 de janeiro de 1967, onde foi sucedido pelo Dr. Moacyr do Carmo.

(Publicada em O MUNICIPAL, Edição Nº 9049, 18 a 25-11-2005, pág.5.
CONCEPÇÃO: ALBERTO MARQUES E JOSUÉ CARDOSO. FOTO: ACERVO O MUNICIPAL)