Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

terça-feira, dezembro 20, 2005

UMA INFÂNCIA VIOLADA: DO ROLA-ROLA AO MALABARISMO NOS SINAIS DE TRÂNSITO (Coluna 152)




Nos anos 50, era o "rola-rola" que garantia a sobrevivência das famílias mais pobres. Meio século depois, são as bolas de tênis que garantem até R$ 30 por dia para meninos e meninas


► Apesar de, há mais de um século, Duque de Caxias - com os mananciais de Xerém e Mantiquira - fornecer água para a cidade do Rio de Janeiro, o caxiense parece destinado a conviver com torneiras secas e valas de esgotos. Nos anos 50, o surgimento das favelas ganhou ritmo acelerado, quer pela abertura de novas avenidas, com a demolição de antigas vilas, quer pela chegada dos "paus-de-arara", com levas de retirantes nordestinos, que fugiam da seca e da violência no sertão e, a chegarem a Duque de Caxias pela esburacada Rio-Bahia, eram impedidos de chegarem à Capital da República. Os caminhões voltavam, mas os retirantes por aqui eram abandonados. Depois de uns dias na Pensão do Norte, na Avenida Nilo Peçanha, os migrantes começavam a procurar parentes por aqui residentes e, à falta de uma política habitacional decente, começavam a erguer "puxadinhos" em seus barracos.

Como, apesar de ser dona dos mananciais de Xerém e Mantiquira, Duque de Caxias não tinha rede de água potável, os migrantes passaram a usar velhos tonéis, antes usados no transporte de vinho e outros produtos, para o transporte de água. Eram os "rola-rola", muito comuns no Nordeste, onde é preciso caminhar até quilômetros em busca de água para beber e fazer aquele feijão ralo que, engrossado com farinha de mandioca, acabam se transformando na única refeição de milhares de famílias, Bahia a fora.

E o "rola-rola" passou a ser o ganha-pão de muita gente, principalmente as crianças, que não tinham escola, nem condições de brincar. Foram gerações seguidas que tiveram a infância violada, obrigadas ao trabalho estafante de rolar barricas, com capacidade de até 100 litros de água, subindo e descendo os morros da cidade. Boa parte desses meninos e meninas saiam da favela surgida ao longo da Av. Dr. Manoel Teles, mais tarde batizada de Vila Ideal, por representar o ideal de toda família: ter um teto seguro para se abrigar do sol e da chuva!

Hoje, os filhos e netos daqueles nordestinos - que cresceram sem escola e sem perspectivas de trabalho - aproveitam os sinais de trânsito para fazerem malabarismo com velhas bolas de tênis. Não são candidatos a uma vaga nos torneios internacionais de Wimbledon, ou de Roland Garros, apenas meninos e meninas pobres, que foram obrigados a trocarem as bonecas de pano e as bolas de meia por um "esporte" mais pragmático, ao permitir a eles que levem para casa até R$ 30 por dia.

Para esses meninos e meninas, as chamadas "cotas raciais" não garantem o ingresso nas Universidades, nem o "Bolsa Família", de até R$ 95 por mês, supre as carências de proteínas provocadas pela fome nos primeiros anos de vida desses brasileiros, condenados, por uma sociedade injusta e perversa, a serem os futuros marginais, que superlotam as cadeias ou incendeiam ônibus com trabalhadores, como ocorreu na Penha há poucos dias.

Vivemos um clima de guerra civil, onde trabalhadores sem terra são acusados de crime hediondo - por lutarem pela reforma agrária, que a nossa sociedade reluta em implantar, mais de 100 anos depois de abolir a escravidão oficial - e os hospitais estão caindo aos pedaços, enquanto o Governo recusa a ajuda de uma instituição da Holanda, que se dispunha a doar equipamentos, no valor de US$ 700 mil para o Hospital Mário Kröeff, coincidentemente localizado na conflagrada Penha Circular, onde passageiros de ônibus foram queimados vivos por bandidos!

Depois de 1960, com a inauguração do sistema de abastecimento de água - que continua precário - os rola-rola foram aposentados, ou substituídos pelas bolas de tênis, mas a nossa infância continua sendo diariamente violentada, quer dentro de casa - onde continua faltando comida, educação, saúde - quer na sociedade, onde irão engrossar a multidão does excluídos, não do mundo virtual e maravilho da Internet, como pensam alguns dos nossos mais famosos "pensadores", mas excluídos, sim, de uma vida digna, com transporte público barato e eficiente, com escolas onde os professores sejam respeitados pelo Governo e pelos alunos, com hospitais onde não faltem atadura e lençóis nas camas, onde os visitantes e parentes dos pacientes não precisem lavar as privadas ou varrem as enfermarias.

Também é inaceitável que um jovem de 18 anos, um modesto estagiário, consiga entrar no sistema da Previdência e desviar mais de R$ 3 milhões sem que ninguém, seja da direção do INSS, seja do Ministério da Previdência, seja exemplarmente punido, quer pela omissão, quer pela conivência!

Enfim, o que precisamos é de mais Governo - administrando com eficiência e responsabilidade - e menos blá-blá-blás! Chega de valeriodutos, de propinodutos, de empresas "offshore" para lavagem de dinheiro!

(Publicada em "O MUNICIPAL", Ed. Nº 9053, de16 a 23-12-2005, pg. 5
CONCEPÇÃO: ALBERTO MARQUES E JOSUÉ CARDOSO. FOTO: ACERVO PESSOAL DE ROGÉRIO TORRES)

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial